sexta-feira, 2 de abril de 2010

As faces da Deusa ( parte II )

As faces da Deusa mostram como ela é mutável. Ele muda como também muda a Natureza e nós mudamos. Por esse caráter, um dos símbolos da Deusa é a Serpente, pois ela troca de pele quando esta já cumpriu o seu papel, renovando-se. Pois para a Deusa a Eternidade é a Mudança. "Tudo flui". "No mesmo rio entramos e não entramos, somos e não somos". (Heráclito, filósofo pré-socrático).

A Deusa não pode ser definida com poucas palavras. Ela possui suas três faces e é representada por infinitas divindades femininas em todo o mundo. Cada divindade, um aspecto Dela, como espectro de uma luz que passa por um cristal e se divide em milhares de cores. Ela é a chamada Deusa dos Dez Mil Nomes.

Como já foi dito, Ela é a Deusa da Terra; Ela é a própria Natureza; é Gaia. Sua pulsação é sentida nos bosques, nas matas, nas florestas. Seus humores são sentidos nas marés dos oceanos. Sua solidez está nas montanhas, no solo firme. Nos lagos, a sua placidez. Nos rios correm seu sangue. No centro do planeta, bate seu coração ardente. Sua calma respiração é percebida na doce brisa que nos refresca. Sua fúria inconcebível é sentida no poder dos furacões. Ela é Deusa de tudo o que vive e tudo o que existe está vivo, tudo emana as energias Dela.

Mas a Deusa não está só no planeta em que vivemos. Ela é também a Deusa Estelar e por isso seu símbolo é a Lua. Está nos mistérios do Universo, nas estrelas, em distantes planetas, nos intrigantes buracos negros. A Deusa está além do Universo, naquilo que não podemos compreender, do qual não conseguimos falar. Ela é imanente, sentida na Natureza e dentro de nós mesmos. E ela é transcendente, estendendo-se até o Infinito, Sua Criação.

À Deusa pertence a Sabedoria. Pela mitologia comparada podemos perceber que normalmente as deidades relacionadas à Sabedoria são femininas, tais como Minerva, Sophia, Athena, Ísis e Ceridwen. Até mesmo no misticismo judaico isso pode ser visto. Shekinah, a parte feminina do Deus judaico-cristão, é também relacionada à Sabedoria. Às deidades masculinas normalmente o que cabe não é exatamente a Sabedoria, mas o Conhecimento, o que pode ser muito bem visto em Thot/Hermes.

Embora possamos sentir a Deusa, ter uma experiência direta com Ela, realmente tomar conhecimento empírico de que Ela existe, não podemos compreendê-La em sua totalidade. A Deusa transcende tudo o que conhecemos. Pois Ela é tudo o que é conhecido e também todos os mistérios que ainda estão por ser revelados. Todos os conceitos que podemos formular através da nossa mente tão poderosa e tão limitada são dissolvidos por Ela. Bem e mal, certo e errado, nada disso existe para a Deusa. Ela está além disso.

Ela está ligada não apenas à criação, mas também à destruição. E não vemos nisso o mal. A destruição é um processo natural para que a criação possa se dar. Ao se cortar madeira e queimá-la em um fogão à lenha, garante-se que comida poderá ser preparada e uma família ter suas necessidades alimentícias satisfeitas. Através da destruição da madeira o sustento de uma família foi garantido. A destruição não é algo mau em si, desde que trabalhe lado a lado das forças da criação.

Por isso, não devemos ver tudo o que é destrutivo como algo maléfico. Muitas vezes o que parece aterrorizante é uma força necessária. Não dá para conceituar com exatidão os processos da Deusa, pois eles transcendem a nossa capacidade de compreendê-los totalmente.

Tem se falado muito atualmente, nos meios wiccanos, sobre a segunda vinda da Deusa. Com o florescimento da Wicca e outras religiões pagãs a partir do meio do século 20, o aspecto feminino da Divindade voltou à tona, depois de pelo menos dois mil anos relegado à obscuridade, muitas vezes referido como algo maléfico.

Na realidade, a Deusa não está voltando de algum lugar para aqui onde estamos, é claro! Se a Deusa não apenas tudo criou como tudo é, como pode ela ter ido para algum lugar em que Ela já estava para depois voltar para algum lugar da onde Ela nunca saiu? A volta da Deusa é o reflorescimento da percepção dos seres humanos da parte feminina da Divindade.

É o encontro com o feminino que mora dentro de cada um de nós, o despertar da intuição, a capacidade de amarmos e respeitarmos ao nosso próximo, a compreensão das diferenças, a preservação da natureza.

Por muito tempo, os seres humanos deixaram de perceber o feminino na Divindade. As religiões patriarcais, muitas vezes distorcendo o que foi pregado pelos seus fundadores (como aconteceu no cristianismo) passaram a valorizar o aspecto masculino mais do que o feminino, causando um desequilíbrio.

A Deusa perdeu sua importância para sobreviver pelos séculos em figuras como Virgem Maria e Maria Madalena, que, embora importantes, estão relegadas à segundo plano no patriarcalismo. Elas não tem um papel em si mesmas, mas um papel em função de Jesus Cristo.

Durante muito tempo o feminino esteve em baixa. Com a volta da Deusa, um reequilíbrio está vindo à tona. Não julgando o patriarcalismo como algo definitivamente maléfico, pois ele também teve os seus méritos, o Divino Feminino vem para corrigir distorções que se estabeleceram com o tempo. A centelha Divina está dentro de nós mesmos, não distante e inatingível, e ela jamais é punitiva e castradora, pois é acolhedora, como uma Mãe.

Para se perceber a volta da Deusa não é necessário fazer parte de Sua religião. Os efeitos da Sua volta são perceptíveis a qualquer um que nem ao menos tenha já ouvido falar de Wicca ou de outra religião pagã. São mudanças psicológicas e sociais que têm acontecido no século 20, principalmente a partir da década de 10 e de 60.

A mudança mais óbvia é o feminismo. Ele combate o machismo do sistema patriarcal. Numa análise dialética, o machismo é a tese, o feminismo é a antítese e agora estamos começando a viver a síntese desse processo, o igualitarismo entre os sexos. A harmonia entre o homem e a mulher tem a sua origem na Deusa, que abraça a todos sem distinção, como uma mãe faz com seus filhos.

Também pelo fato Dela abraçar a todos como seus filhos, outras transformações sociais são frutos de Sua volta. A visão do sexo como algo natural e não pecaminoso; o direito à homossexualidade; a luta pela melhoria das condições sociais de todos os menos favorecidos do mundo; o abalo no conflito senhor versus servo no qual o nosso sistema baseado na competição (típico do patriarcalismo) se sustenta, algo que consideramos feudal; o movimento ecológico crescente em todo o mundo; o fim da discriminação racial e social; a derrocada progressiva das ditaduras em todo o mundo.

Tudo isso é significa a volta da Deusa, que vem para unir a Humanidade, ao invés de colocá-la em guerra consigo mesma.

Muito disso pôde ser visto com clareza no movimento hippie dos anos 60 e nos movimentos de esquerda, que ocorrem desde 1914. Esses movimentos não foram totalmente bem-sucedidos e isso aconteceu porque as mudanças definitivas não ocorrem de uma hora para outra. Mas foram movimentos necessários para se dar um primeiro impulso; necessários para que possamos corrigir as falhas de um sistema ultrapassado.

Estes movimentos foram importantes para que pudéssemos discutir qual a função dos seres num contexto global. Dessa maneira foi possível começar a aparar algumas arestas, mas temos ainda um longo trabalho.

A Deusa também vem para alterar a relação do sacerdote e do fiel. 

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